É bastante comum sempre ver notícias de aquários que descolam ou que quebram na internet. Os motivos que fazem um aquário descolar ou quebrar são muitos, mas se resumem em alguns pontos principais que serão apresentados no texto como a flexão excessiva do vidro, vidro inapropriado ou mesmo colagem errada.
De forma nenhuma esse texto tem como objetivo ditar normas de construção de aquários.
Esse texto apenas busca aprofundar em mais detalhes da construção e alertar as pessoas para grandes problemas que podem surgir ao se fazer um aquário e não dar a atenção necessária aos pontos críticos.
De fato, esse texto vai trazer uma base para muitas coisas que são feitas no aquarismo, mas que os motivos pelos quais são feitos não são lá muito entendidos.
A cola do aquário
Começaremos pela parte mais delicada do aquário: a cola. É a cola que tem a função de unir as diferentes chapas de vidro e vedar para que não ocorra nenhum vazamento.
Existem vários tipos de cola para vidro no mercado, sejam elas de algum tipo de silicone, espuma ou resina. No caso específico dos aquários o tipo de cola mais usada é o silicone por ser barato, de prática aplicação, permitir fácil correção caso a colagem saia errada (cortar a cola, limpar e colar novamente), bastante flexível e esteticamente agradável.
As colas para vidro com cura ultravioleta às vezes são usadas para aquários e funcionam muito bem, mas após curadas são de difícil (pra não dizer praticamente impossível) limpeza para separar e recolar os vidros caso tenha vazamento. Isso ainda considerando que seja um tipo de cola UV que permita limpeza com o produto químico necessário.
Revisão sobre forças e tensões
Para continuarmos falando das colas, precisamos falar do que faz a cola descolar do aquário: as forças e tensões no aquário.
Lá na física que aprendemos na escola, uma força é uma interação entre dois corpos ou entre o meio e um corpo. No caso dos aquários, a força da gravidade puxa a água contra o fundo e contra as laterais de vidro sendo essa a maior responsável por um aquário quebrar ou descolar.
Já uma tensão pode ser simplificada como um estado de ações e reações de forças.
Existem 5 principais tensões que existem e elas serão enunciadas bem resumidamente abaixo.
Quando puxamos um barbante para arrebentar nós aplicamos uma tensão de tração que é quando duas forças estão na mesma direção e se afastando uma da outra.
Quando amassamos uma latinha de refrigerante estamos aplicando uma tensão de compressão que são duas forças na mesma direção e se aproximando uma da outra.
Quando cortamos papel com uma tesoura estamos aplicando uma tensão de cisalhamento que é quando aplicamos forças paralelas em sentidos opostos.
Quando o aquário dá aquela barriga no meio ele está sob uma tensão de flexão que acontece aplicada uma força num sentido no centro dele e forças em sentidos opostas nas extremidades.
Quando giramos a tampa de uma garrafa de refrigerante estamos aplicando uma tensão de torção que é quando forças paralelas distantes (momento) são aplicadas em torno de um corpo.
A imagem abaixo resume como essas tensões ocorrem:
Todas essas 5 tensões acontecem simultaneamente nos aquários, seja no vidro ou na cola, em intensidades diferentes de acordo com o local e formas do aquário. Não é um assunto complicado, porém é cheio de considerações. Aos mais interessados, o vídeo abaixo explica bem sobre essas tensões e como elas interagem.
Não podemos confundir essas tensões com a tensão elétrica, são coisas bem diferentes.
Como a cola gruda no vidro
Essa parte é bastante interessante e um pouco complicada porque entra na parte da química que estuda as ligações atômicas e moleculares. O leitor não precisa se preocupar que vamos explicar aqui de forma que você consiga entender bem como o silicone segura o vidro por muito tempo e até porque a cola-tudo não faz esse serviço tão bem.
A primeira coisa que temos que entender são sobre as ligações químicas que mantém a molécula unida possuem uma força muito grande, o que significa que essa ligação é difícil de separar.
A segunda coisa que temos que entender é que existem diversas interação intermoleculares (entre moléculas diferentes) que variam de força de acordo com o tipo de interação, tipo de molécula e alguns outros fatores. Essa interação intermolecular é o que faz uma gota de água se manter unida (ligações de hidrogênio), que faz a cristalização do cloreto de sódio em blocos nas salinas (ligação dipolo-dipolo), ou as ligações do gás carbônico que o transformam em gelo seco (ligação dipolo induzido).
Essas ligações intermoleculares é que são responsáveis pela coesão da cola.
A coesão é a característica do corpo se manter unido. No caso do aquário, é da cola não se partir ou separar dos vidros quando enchemos o aquário com água.
Agora que falamos um pouco desses detalhes, vamos ao ponto mais importante: a adesão.
A definição de adesão pode ser dada como o ato de ligar dois corpos, sejam eles iguais ou diferentes, entre si.
A imagem abaixo exemplifica como funciona o processo da colagem onde dois materiais (substrato) são unidos por uma cola (adesivo). É possível ver que existem os dois processos que citamos, a adesão entre a cola e o substrato e a coesão entre as moléculas da cola.
Nas moléculas da cola que fazem contato com o vidro do aquário ocorrem ligações químicas intermoleculares e até intramoleculares entre o elas e o vidro. Essas ligações químicas alteram as propriedades dessas moléculas, diferentes das outras moléculas da cola que não estão em contato com a superfície colada.
Além das forças de adesão, também existem interações micro e macro estruturais que podem influenciar diretamente na capacidade de adesão da cola. Quanto mais irregular for a superfície, em micro-escala e até em macro escala em alguns casos, maior a superfície de contato e também melhor a característica de adesão.
A imagem abaixo mostra a superfície de uma peça de vidro vista no microscópio. Mesmo ela sendo completamente lisa ao nosso toque, sua superfície é irregular o que ajuda bastante na colagem.
Essa parte das interações micro estruturais são facilmente vistas no nosso cotidiano quando lixamos algum material, seja metal ou madeira, para então pintá-los. Quando lixamos o material, mesmo que a olho nu ele parece completamente uniforme, na microescala você cria ranhuras que melhoram a adesão da tinta e remove sujeiras que reduziriam a adesão.
Molhabilidade
A molhabilidade é uma característica muito importante entre a cola e entre o material a ser colado. A molhabilidade está definida pela energia superficial dos materiais em conjunto.
Quando uma gota d'água cai numa superfície de vidro e espalha molhando a superfície é porque a energia superficial do vidro é maior que a energia superficial da água, fazendo com que o vidro atraia as moléculas de água para ficarem em contato com sua superfície.
Quando uma gota d'água bate em algum material impermeável como acrílico ou o próprio silicone seco é porque a energia superficial da água é maior que a energia superficial do acrílico ou do silicone seco.
Quanto menor a energia superficial do substrato, menor a quantidade de ligações que vão ocorrer e mais fraca será a adesão.
É por essa questão que o silicone comum não adere no acrílico, mas adere em metal, pedra ou vidro, porque a energia superficial desses últimos é maior que a do silicone enquanto que a do acrílico é bem próxima da do silicone.
A tabela abaixo mostra uma série de materiais e sua energia superficial.Como exemplo, vemos que a água tem menor energia superficial que o alumínio, o cobre e o vidro e mais energia que o silicone, o policarbonato e o pvc, por isso a água molha os primeiros e não molha os últimos.
Bom, agora pra continuar vamos falar do silicone usado.
O silicone que usamos nos aquários, quando seco, é um polímero formado por uma mistura de vários monômeros da família dos alcoxisilanos.
Um polímero é uma molécula formada por várias unidades denominadas de monômeros. Esses monômeros vão grudando um no outro formando longas cadeias podendo chegar a ter milhares de unidades em um único polímero.
Os alcoxisilanos são compostos de um átomo de silício (daí o nome silicone) com 4 ligações eu podem variar de moléculas a outros átomos.
A imagem abaixo mostra a composição de algumas moléculas usadas em silicones diversos. Perceba que as principais ligações são de silício (Si) e oxigênio (O).
A imagem abaixo agora mostra a estrutura molecular do cristal de dióxido de silício (quartzo, por exemplo), da cerâmica de dióxido de silício (vidro puro) e de uma cerâmica de dióxido de silício misturado com óxido de sódio (vidro comum).
Vocês já devem ter reparado que o material básico do silicone e do vidro são os mesmos. É aí que está um dos motivo do silicone aderir muito bem ao vidro. Já vamos falar disso logo abaixo.
Curiosidade: O óxido de sódio aparece na composição do vidro porque ele reduz o ponto de fusão do vidro reduzindo assim os seus custos de fabricação sem alterar muito as suas propriedades.
Durante a polimerização do silicone as moléculas de silício e de oxigênio da cola se ligam quimicamente às moléculas de silício e oxigênio da superfície do vidro.
A polimerização é outro assunto de extrema importância quando estamos falando da colagem dos aquários.
Quando entra em contato com ao umidade do ar, o silicone começa a sofrer reações químicas(condensação) que unem as várias moléculas dos alcoxisilanos presentes na cola líquida entre si(polimerização), fazendo com que comece a se enrijecer, e libere outro molécula( ácido acético no caso dos silicones acéticos ou um álcool no caso dos silicones neutros).
A polimerização é a famosa cura do silicone, cujo tempo de processo depende da umidade do ar, espessura do silicone aplicado, temperatura, etc.
Alguns aquários muito grandes com colagens com espessura maior que 10mm podem demorar até meses pra secar dependendo do tipo de silicone usado, umidade do ar, condições de construção, etc. Os fabricantes dizem que na média o silicone seca de 2 a 3 mm em 24 horas podendo chegar a 10mm em 7 dias.
Quanto maior a espessura, muito maior o tempo de cura.
Em aquário muito grande é importante esperar muito dias para a completa cura do silicone.
O vídeo abaixo fala um pouquinho sobre a polimerização e fica mais fácil de entender como a cola endurece. Mesmo não sendo um vídeo sobre silicones, é o mesmo princípio e fica muito mais fácil de entender quando vemos a ideia da reação. No caso do vídeo, o R que começa a polimerização é a umidade do ar. O vídeo infelizmente é em inglês por falta de um similar em português.
Essas longas cadeias formadas, por ficarem “emboladas”, é que garantem a grande elasticidade do silicone. Alguns dos silicones usados em aquários, segundo seus fabricantes, podem esticar até 6 vezes o seu tamanho inicial antes de se partirem.
São esses ligações moleculares fortes entre os monômeros do silicone que dão resistência ao silicone. E são as ligações intermoleculares entre as cadeias de polímeros que garantem a coesão de todo silicone aplicado.
A imagem abaixo mostra como as ligações fracas do silicone líquido (pontes de hidrogênio) são substituídas por ligações covalentes muito fortes quando expostos à água. Por isso você consegue remover o silicone líquido com o dedo, mas quando polimeriza não é nada fácil descolar do vidro.
Então, nessa relação entre adesão, coesão e polimerização que o silicone segura grandes quantidades de água nos nossos aquários.
Detalhe: quando recolamos o aquário é preciso limpar as chapas de vidro com um solvente para que os restos microscópicos de silicone sejam removidos do vidro. Caso o vidro não seja limpo adequadamente, a nova colagem pode ser prejudicada justamente porque a cola antiga fica no lugar das ligações do silicone novo e o vidro deveriam ter. O silicone adere muito pouco ao silicone seco.
Agora que falamos disso tudo, por que as cola-tudo e outras colas instantâneas não mantem uma boa colagem no vidro?
A explicação é curta, mas bem técnica.
Essas colas instantâneas são geralmente constituídas de cianoacrilatos. Esse composto tem uma excelente adesão em muitos materiais, inclusive vidro e metais. No caso do particular do vidro, a velocidade de cura do cianoacrilatos é tão grande que provavelmente gera altas tensões das ligações químicas logo após o contato da cola com o vidro, fragilizando a colagem e reduzindo a capacidade de coesão das colas instantâneas nesse tipo de material.
Essa explicação foi tirada do site da Loctite que pode ser lida no link abaixo.
Geralmente quando colamos vidro com colas instantâneas e ele solta dá pra perceber que o vidro ficou áspero, sinal que a cola está aderida na superfície.
Existem colas instantâneas específicas para vidro no mercado até mesmo ainda usando cianoacrilatos mais adequados em sua formulação.
Forças que a cola do aquário está sujeita
A cola estão sujeitas a forças e tensões diversas no aquário, quase todas causadas pelo peso da água.
Essas forças se distribuem em várias direções e magnitudes de acordo com tamanho, forma, travas, espessura do vidro, espessura do silicone, etc. Isso faz com que seja muito, realmente muito, complicado apontar quais são as forças que atuam na cola de modo detalhado.
De toda forma, existem métodos para se calcular esse tipo de situação que é o método de elementos finitos, comumente usado na engenharia. Utilizando várias iterações numéricas, o computador estima com grande precisão as forças no qual o silicone está sujeito depois de milhares ou até milhões de cálculos.
No caso desse texto, vamos dar exemplo de um aquário sem travas nas dimensões de 2 metros de comprimento com 50cm de altura e 50cm de largura e vidro de 8mm. O vidro de 8mm não é recomendado e jamais deve ser usado para esse tamanho de aquário e quando estivermos falando das forças no vidro o motivo vai ficar bem claro.
Antes de falar das forças que o silicone vai estar sujeito é preciso falar das forças que o silicone suporta.
Cada fabricante possui uma fórmula para seu silicone e cada fórmula garante uma série de propriedade diferentes. Segue abaixo alguns dados de silicones para aquários de 3 fabricantes diferentes.
SikaSeal 401 Aquarium:
ASI aquarium:
OttoSeal S 28:
A diferença da tensão de tração suportada entre esses 3 exemplos variam de 1MPa para o da Sika, de 1,4 MPa para o Ottoseal e salta para 3,5MPa para o ASI. Desses 2 exemplos, apenas o ASI apresentou o importante dado da tensão de rasgamento de que foi de 7,8N/mm. Algumas medidas precisaram ser convertidas para mesma unidade para serem comparadas.
Quem já brincou com restos de silicone já percebeu que ele rasga em algum ponto quando puxamos com muita força. Pra quem nunca brincou e está com dificuldade de entender, basta ver o vídeo abaixo do teste que mede a tensão de rasgamento desse tipo de material.
A tensão de rasgamento é o parâmetro de análise mais importante para o silicone dos aquários.
Mexendo com unidades
Daqui pra frente a gente vai escrever muito o termo MPa que significa Mega Pascal. Um Pascal é uma unidade pressão. Um Mega é um prefixo que significa 1 milhão.
Relembrando lá da física: Pressão é quando aplicamos força numa determinada área.
Então, 1 MPa significa que estamos aplicando uma pressão numa região igual a se aplicássemos 1 milhão de Newtons(N) numa área de 1 metro quadrado(m²). Quando reduzimos a área, reduzimos a força necessária para causar a mesma pressão.
Em 0,5m² podemos aplicar 500000N que a pressão será 1 MPa. Se a área for de 0,1m², basta aplicar 100000N para se ter 1 MPa de pressão. Se pegarmos uma moeda de 25 centavos que tem uma área aproximada de 0,00038m², basta aplicar 380N para se ter 1 MPa de pressão. 380N é o peso equivalente de cerca de 39kg.
Enfim, quanto menor a área onde a pressão é aplicada, menor a força necessária para se causar uma grande pressão.
1 MPa é a mesma pressão que um mergulhador sofre ao mergulhar a 102 metros de profundidade. Não é pouca coisa. E pouca gente imaginaria que os nossos aquários estariam submetidos a esforços tão grandes.
Agora vamos à parte divertida....
O aquário foi montado considerando uma colagem perfeita entre o silicone e o vidro, o que na prática não existe devido a vários fatores como superfície inadequada, não adesão, presença de contaminantes, etc.
O vidro utilizado na simulação é um vidro virtualmente perfeito, sem defeitos, sem erros de corte, sem impurezas. Na realidade isso nunca é possível.
A espessura do silicone usada foi de 0,5mm. Essa espessura é mais ou menos uma média conservadora dos encontrados utilizando nos aquários. Já vimos aquários que a cola pode chegar a ter mais 1mm de espessura. Vidros cortados apresentam espessura maior em muitos pontos devido a irregularidade do corte, o que não tem problema. Já os vidros lapidados por terem superfície regular acabam dando uma espessura menor ao silicone.
Foi considerado água com densidade de 1000 kg/m³. A água salgada possui densidade que pode chegar a pouco mais de 1030kg/m³, mas a diferença nos resultados é bem pequena.
Para a análise, serão vistas as tensões máximas nas regiões calculadas e a estimação da maior força média à partir da maior tensão de cisalhamento num plano já que o programa que faz os cálculos não nos dá força nas áreas marcados nos pontos como dá as tensões.
A imagem abaixo é o nosso aquário virtual de 200cm(c),50cm(l) e 50cm(a).
A imagem abaixo é só da cola que liga os vidros desse aquário:
Como já foi dito, o aquário está sem travas e com vidros de tamanho inadequada e por consequência a cola irá trabalhar além do seu limite.
O estado triplo de tensões, que é o mais conservador de todos, encontrou incríveis 11,75MPa de tensões quase na metade do aquário, muito superior aos 3,5MPa que cola com maior resistência que apresentamos acima.
A imagem abaixo mostram a vista ampla com a posição marcada em vermelho da maior tensão. Cerca de 80% da cola do fundo dos vidros de frente e de trás do aquário apresentaram tensões superiores a 3,5MPa.
Nas colas verticais a maior tensão encontrada foi de 9,766MPa, maior que o suportado pela cola.
O mais interessante dessa imagem acima é que as maiores tensões foram justamente onde os aquários sem travas superiores costumam descolar. Mesmo a pressão da água sendo maior quando mais fundo o aquário for, as reações na cola vertical são maiores próximo à superfície.
A força máxima média foi encontrada pela forças resultantes nas peças fornecida pela próprio programa.
A maior força média que encontramos foi de 59N.
Uma força de 59N numa cola com 0,5mm de espessura causa uma tensão de rasgamento de de 118N/mm, 15 vezes maior que a tensão de rasgamento que o silicone da ASI suporta. Esse é o fator de análise mais importante já que o silicone está contido entre as placas de vidro e as tensões do estado tri axial geralmente mistura propriedades como resistência à tração e compressão.
Assim, vemos que as colas do aquário nessa montagem estão submetidas a forças muito maiores do que elas foram projetadas para suportar, em alguns locais chega a mais de 15 vezes o projetado. Se o vidro do aquário milagrosamente não se partisse, a cola iria se rasgar sem sombra de dúvidas nenhuma.
Considerações sobre a colagem dos aquários
Essa nossa simulação partiu ainda de consideração ideias de montagem que não existem no mundo real. Você não vai conseguir uma adesão perfeita em 100% da área de colagem devido a imperfeições do vidro, imperfeições na composição da cola, problemas de polimerização não controlada, etc.
No mundo real temos que trabalhar com uma margem de segurança para considerar esses problemas diversos e existentes. O recomendado é sempre que estejam atuando na cola dos aquários no máximo 50% das tensões que o silicone suporta.
Limpeza para colagem
Para uma boa colagem é importante, mas muito importante mesmo, que a superfície a ser colada esteja livre de poeira e principalmente de óleos diversos.
Deve-se sempre limpar os vidros do aquário por inteiro com álcool ou outro solvente para remover todo resquício de óleo ou outras substâncias grudadas na superfície.
Não limpe o vidro com sabão, detergente ou similares. O sabão pode aderir no vidro e prejudicar a colagem.
A limpeza inadequada é um dos principais causadores das bolhas no silicone. As bolhas são regiões onde o silicone não aderiu no vidro, ou seja, área de colagem perdida.
Toda bolha no silicone do aquário é uma região de fragilidade e um concentrador de tensões. Falaremos com mais detalhes de concentrador de tensões mais abaixo quando estivermos falando de vidros.
Qualidade da cola
Uma cola de boa qualidade vai produzir uma adesão forte e duradoura e uma cola de má qualidade irá produzir apenas dor de cabeça. Use sempre boas colas no mercado, principalmente com alta resistência à radiação UV.
As boas colas nem sempre são as mais caras.
Essa questão do silicone ressacar se o aquário ficar vazio está completamente ligada com a qualidade do produto. O silicone para uso em aquários é fabricado para funcionar tanto submerso como exposto ao ar atmosférico.
Aquários fabricados com bons silicones podem ficar meses ou até anos vazios sem perder a qualidade da sua colagem.
Sobras de cola
Muita gente não gosta, mas aquelas sobras de cola que ficam nas arestas dos vidros distribuem a força para os vidros diminuindo em até 4 vezes (depende do tamanho e espessura da sobra e das travas do aquário) as tensões na cola que ficam entre os vidros. Não é exagero, são 4 vezes mesmo.
Em aquários grandes é recomendável deixar essas sobras de cola para distribuir as forças.
Além disso, contribuem significativamente para a vedação do aquário.
Armazenamento da cola
Não adianta você ter uma cola de boa qualidade e você guardar ela de maneira que ela vá perder suas boas características. O silicone deve ficar em ambiente fresco e longe da luz solar direta. Muita fabricantes limitam a estocagem a temperaturas em no máximo 32°C.
Quando o silicone fica estocado em condições adversas, sua capacidade de adesão e de coesão ficam severamente prejudicadas.
Silicone acético x silicone neutro
A diferença do silicone acético pro silicone neutro é que um libera ácido acético (daí aquele cheiro de vinagre) e o silicone neutro libera um álcool, que quase não sentimentos o cheiro, durante a polimerização. Nos aquários isso não implica em absolutamente nada, os dois tipos de silicone, se foram apropriados para aquários podem ser usados.
O silicone acético costuma manchar pedras calcárias como granito quando é usado como cola, mas nada prejudicial estruturalmente.
Em relação à polimerização, os silicones acéticos costumam ser mais baratos e terem uma cura mais rápida que o silicone neutro.
Na média, os silicones neutros tem uma adesão e resistência a água melhor que os acéticos, mas nos aquários essa diferença é bem pouca.
Colas UV
As colas UV são relativamente novas no mercado do aquarismo, mas são de trabalho um pouco complicado.
A composição das colas UV é similar ao das outras colas de secagem rápida, o cianoacrilatos (que também é um polímero).
O mecanismo de funcionamento delas é igual do silicone, porém com o início da polimerização sendo realizado pela radiação UV ao invés da umidade do ar.
Existem 2 grandes problemas em trabalhar com cola UV: o preço elevado e o manejo em grandes peças.
O preço de uma cola UV adequada para vidro é alto. Consultando rápido na internet aqui o Loctite 3301 custa cerca de $45 a $55 dólares a seringa com 25ml. Com 25ml provavelmente você não cola um aquário de 200 litros.
Não se pode afirmar a qualidade das colas vendidas sem marca definida e sem testes medindo sua resistência. Se essas colas forem utilizadas em aquários, podem ser bombas-relógio.
O manejo é da cola UV em aquários grandes é mais complicado porque a cola UV geralmente é menos viscosa que o silicone, fazendo com que o vidro não tenha a mesma firmeza na hora de encaixar. Espalhar a cola demais com certeza resultará em vazamentos.
Além de espalhar a cola, a polimerização depende da intensidade da radiação UV utilizada. Em vidros espessos a quantidade de radiação UV que chega na cola é muito baixa, fazendo com que a polimerização não ocorra adequadamente prejudicando a colagem.
Como nem tudo são espinhos, a maior vantagem da cola UV é sua grande resistência mecânica que pode chegar a mais de 20MPa, o que já é 20 vezes a resistência da maioria dos silicones.
Silicone incolor x silicone colorido
Também há uma discussão um tanto acalorada sobre a cor do silicone. Uns dizem que silicone incolor é melhor, outros dizem que silicone preto é melhor, outros já usam o prata ou outras cores disponível.
Essa é uma questão bem simples de resolver, tão simples que sempre ficamos sem saber porque as pessoas falam tanto sobre isso.
Nos catálogos de alguns silicones que possuem diferença de cor a única diferença é a densidade específica do silicone que pode se alterar. Em alguns casos nem mesmo a densidade altera. As propriedades mecânicas se mantém a mesma.
As imagens abaixo são de catálogos de silicones da Sika que apresentam opções de cores. Alguns mudam a densidade, outros não, mas as propriedades são sempre as mesmas independente da cor.
Podem falar que os silicones apresentados acima não são para aquários, então...
Vocês podem acessar o site da ASI abaixo e ver um silicone para aquário em 3 opções de cores (preto, metálico e incolor) com as mesmas propriedades e densidade.
A cor do silicone não interfere em nada a não ser estética.
O vidro
Agora que já falamos da cola, vamos falar sobre as características dos vidros e suas implicações na resistência dos aquários. Também vamos falar dos tipos de vidro utilizados no aquarismo e porque não devemos utilizar vidro temperado nos aquários.
Resistências do vidro
Assim como todo material, o vidro também tem seu limite de resistências que variam de acordo com método de fabricação, matéria prima utilizada e forma do vidro.
Esse é um assunto um pouco mais complicado que a cola, então vamos passar apenas os conceitos, sem nos fixar em detalhes que não vão nos ser úteis aqui.
A primeira e mais importante característica do vidro é que ele é um material frágil. Ele se quebra sem amassar ou entortar antes. E se quebra fácil.
Uma outra característica do vidro muito importante e pouco conhecida é que o vidro tem uma grande resistência a esforços de um curto período de duração (alguns segundos ou até minutos) e tem sua resistência muito baixa ao mesmo esforço se durar muito tempo(horas ou esforço contínuo) como um piso de vidro que suporta o peso de móveis e pessoas ou um vidro de aquário que suporta continuamente o peso da própria água.
A explicação para esse fenômeno se dá pelos estudos do engenheiro inglês Alan Arnold Griffith, que ficou conhecida na engenharia como Critério de Griffith, onde as falhas do material como fissuras, bolhas e contaminantes reduzem consideravelmente sua resistência.
Também tem o fato da corrosão do vidro pela humidade do ar!
Provavelmente você nunca ouviu falar que a água corrói o vidro na vida, mas isso acontece e é extremamente relevante. A imagem abaixo retirado de [1] mostra como a água entre em contato com a molécula de silicato e a quebra.
Essa reação ocorre apenas superficialmente e por isso não vemos os vidros sendo “derretidos” nos aquários, mas isso causa aumento do tamanho das falhas na superfície do reduzindo assim a sua resistência.
Isso é tão importante que tem até uma equação matemática que ajuda a entender esse fenômeno melhor. A fórmula abaixo retirada de [2] mostra que quanto menor o valor de n, menor a resistência do vidro. Ele dá o exemplo que no vácuo, onde não há ar e nem água, não existe perda de resistência (n igual a infinito).
Essa corrosão da água nas ligações dos silicatos também acontece com o silicone!
Os silicones que não são adequados para trabalharem submersos ou em contato com a agua vão sendo corroídos e perdem resistência. Por isso nos aquários só se deve usar silicone próprio para trabalho submerso.
Além o tempo que o vidro fica submetido ao esforço e da corrosão superficial pela água, existem outras considerações bem interessantes e úteis sobre a resistência dos vidros.
Quando maior uma chapa de vidro de uma mesma espessura, menor será a resistência dela. Isso é devido ao fato de quanto maior o material, mais a chance de ter uma falha que reduza a resistência dele mesmo.
Defeitos de superfície, sejam eles visíveis ou microscópicos, reduzem muito a resistência do vidro. Todo arranhão no vidro acaba por reduzir sua resistência.
A presença de concentradores de tensões reduz a resistência dos vidros. Esse ponto é tão importante que vou falar dele logo abaixo com mais detalhes.
A estrutura molecular do vidro e a presença ou não de certos compostos fazem variar a resistência do vidro para mais ou para menos.
Concentradores de tensão
Já falamos no começo do texto que a tensão é uma força distribuída numa área. Quando mantemos uma mesma força e nós diminuímos a área, por consequência, aumentamos a tensão.
Os concentradores de tensões são situações onde a área diminui de maneira repentina e por isso a tensão aumenta consideravelmente podendo chegar a multiplicar por até mais de 10 vezes o valor da tensão do local.
Quando no vidro tem um risco, uma bolha (essas bolhas são perigosas demais!!), uma trinca, um descascado ou similares eles concentram tensões e podem quebrar o vidro inteiro de uma vez.
A imagem abaixo retirado de [3] mostra exatamente como a área diminui numa região onde há um defeito. A forma, tamanho e outras propriedades do defeito variam o fator de multiplicação do concentrador de tensões. Percebam como a tensão aumenta perto da circunferência do centro do desenho.
Bom, tudo isso faz com que o vidro, que tem uma resistência mecânica teórica que pode chegar a 40000 MPa a ter apenas de 35 a 350 MPa (depende do tipo e qualidade do vidro) de resistência para esforços de curta duração para apenas 7 MPa[1][2] para esforços de longa duração!
7MPa ainda para vidros de boa qualidade! Não podemos esquecer desse detalhe. Vidros de baixa qualidade tem resistência menor ainda.
Todos esses pequenos detalhes que falamos reduzem a resistência do vidro na prática em mais de 5700 vezes em comparação à resistência teórica!
O processo do corte do vidro
Não só a título de curiosidade, vamos explicar aqui brevemente o processo do corte do vidro porque está diretamente relacionado com essa questão da concentração de tensões. Esse mesmo processo é o que faz com que o vidro dos aquários se parta de maneira indesejada.
O processo de corte do vidro por propagação de trinca, conhecido popularmente como clivagem do vidro ou corte com diamante, utiliza do princípio de concentração de tensões para realizar seu objetivo.
Quando fazemos a marcação no vidro com o diamante ou carbeto de tungstênio, nós criamos uma região que vai concentrar as tensões. Quando então a gente submete o vidro a um esforço de flexão, o risco na superfície do vidro concentra e multiplica a força que aplicamos em tal magnitude que supera a resistência do vidro e ele vai partindo à partir do risco.
A imagem abaixo[5] mostra como fica a marcação no vidro feita com a ferramenta. Em praticamente todos os casos o risco não sai perfeito e danifica a superfície do vidro e cria micro trincas e lascamentos.
As imagem abaixo [4] mostram bem como uma trinca concentra as tensões. As cores indicam a quantidade de tensão na região.
Devido às micro trincas, defeitos dos vidros e à força aplicada pra quebrar o vidro, os cortes podem sair mais retos ou tortos, tudo dependendo da experiência da pessoa que está cortando.
Flexão como principal fator de quebra do vidro
Vimos que no silicone o principal fator que faz ele descolar do aquário é a tensão de rasgamento. No vidro, a tensão de flexão é a mais importante já que ele tem alta resistência à tração e compressão.
Isso vai ficar bem mais fácil de ver com as análises que mostraremos mais abaixo.
A tensão de flexão cria uma zona de tração numa superfície e de compressão na outra como mostra a imagem abaixo. Essa zona de tração é que é responsável por propagar as trincas enquanto a de compressão pode reduzir a influência das trincas.
A imagem abaixo mostra como a tração na superfície propaga a trinca e parte o vidro riscado pela ferramenta de corte:
Para a construção dos aquários a tensão de flexão depende de 3 fatores principais: o momento fletor, o momento de inércia e a barriga do vidro. Devido à forma como a distribuição de forças acontece no aquário, a posição de aplicação da carga não vai fazer diferença para nosso estudo aqui já que ele está presente em todo o aquário.
O momento fletor é dado pela força aplicada multiplicada pela distância, é o famoso torque. Quanto mais comprido o aquário for (mantendo a mesma coluna d´água), maior a tensão de flexão. Isso se dá porque a flexão depende do momento fletor, que é dado pela força vezes a distância do ponto de apoio (as bordas coladas do aquário).
O momento de inércia depende da espessura e altura da chapa de vidro. Quanto maior o momento de inércia, menor a flexão do vidro. Quanto mais grosso e mais alto for o vidro, menor o momento de inércia. Isso se dá considerando a mesma coluna d’água. No caso dos aquários, se aumentarmos a altura do vidro e aumentarmos a quantidade da água também aumentamos a força, que aumentará o momento e que por consequência irá aumentar a tensão de flexão.
Curiosidade: a força necessária para romper as ligações químicas e propagar as trincas de um vidro de 4mm e de um vidro de 12mm é a mesma. O que faz o vidro de 12mm ser mais resistente é apenas que o momento de inércia dele que é maior. Como um momento de inércia maior, o vidro tem mais resistência aos esforços.
Quanto maior for a barriga do vidro, maior serão as tensões internas que o vidro estará submetido.
Resumindo a tensão de flexão, quanto maior o aquário, menor a espessura do vidro e mais barriga ele tiver, maiores as tensões.
Tipos de vidro
Na construção dos aquários são utilizados os vidros comuns simples ou na versão extraclear ou os vidros laminados. Alguns corajosos utilizam vidros temperados (o que é completamente errado) e vamos explicar os motivos disso.
O vidro comum
As placas de vidro comum, também chamado de float ou vidro recozido, são compostas principalmente de silicatos (SiO2), carbonato de sódio (Na2CO3), carbonato de cálcio (Ca2CO3) e impurezas. Dependendo das propriedades desejadas para o vidro outros compostos podem ser adicionados.
Após o processo de laminação dos vidros comuns, eles são apenas recozidos para aliviar suas tensões internas e estão prontos para uso. São baratos, seguros e bastante acessíveis.
A tensão máxima indicada para aquários de um bom vidro comum é de 7MPa.
O vidro extraclear
O vidro extraclear tem a mesma composição do vidro como, porém passa por um processo onde as impurezas, principalmente as de ferro, são removidas.
São principalmente as impurezas de compostos de ferro na composição do vidro que dão aquele reflexo esverdeado das laterais do vidro. Essas impurezas absorvem mais os outros espectros da luz e refletem mais a cor verde.
O vidro extraclear tem seu reflexo bem mais próximo do incolor do que de alguma outra cor. Ele permite que a luz atravesse o vidro em maior quantidade. Em vidros espessos o vidro extraclear garante uma maior visibilidade das cores dos aquários.
O vidro extraclear pode passar pelo processo de têmpera ou mesmo utilizado para fazer o vidro laminado.
O vidro temperado
O vidro temperado é também um vidro comum que passou por um processo de tratamento térmico ou químico para adquirir maior resistência. Além do tratamento térmico, o vidro temperado pode receber tratamento químico para melhorar a impermeabilização, captura de raios UV e outros benefícios.
O vídeo abaixo explica o processo de fabricação do vidro temperado por tratamento térmico.
Nesse processo de tratamento térmico, uma distância de cerca de 20% da espessura do vidro é aquecida até uma temperatura média de 600°C e depois submetida a um resfriamento rápido para criar tensões compressivas intensas nessa região.
São estas tensões compressivas que impedem que as trincas se propaguem pelo vidro temperado aumentando assim a sua resistência.
Essas tensões compressivas são de no mínimo 70MPa o que significa que qualquer tensão menor que a sua tensão compressiva interna não consegue quebrar esse vidro. E é por essa grande resistência que o vidro temperado é usado em portas, paredes, etc.
A imagem abaixo mostra como fica essa distribuição de tensões no vidro temperado.
Essa compressão superficial do vidro temperado garante excelente resistência mecânica e também é responsável pelo vidro temperado se partir em cacos mais arredondados se comparados ao vidro comum, porém é uma faca de 2 gumes.
Se houver imperfeições como rachaduras, furos inadequados, lapidação inadequada, lascamentos e afins, as tensões internas do próprio vidro serão concentradas e podem a vir a quebrar sem causa aparente ou com forças muito menores.
Não se deve cortar ou lixar vidro temperado!
O vidro temperado também tem um problema curioso e interessante quanto a isso de quebra espontânea. Se o vidro receber uma pancada forte durante o transporte ele pode não quebrar na hora, mas o dano fui iniciado em microescala e pode demorar até meses para que o vidro se parta mesmo que fique encostado num canto sem sofrer esforço nenhum.
O link abaixo da Associação Brasileira de Distribuidores e Processadores de Vidros Planos – abravidro- explica com mais detalhes essa questão do vidro temperado.
Nos aquários é muito comum acontecer arranhões no vidro na hora de montar, uso inadequado limpador magnético, descuidos acidentais, uma areia que um peixe grande esfrega contra o vidro, um pedra que rola e muitas outras possibilidades.
Esses arranhões, por menores que sejam, podem fazer com que o vidro quebre devido às próprias tensões internas, o que não acontece com o vidro comum.
Os vidros temperados que passaram por algum processo químico também podem ter sua capacidade de adesão da cola reduzidas consideravelmente. Quando o tratamento químico alterar principalmente a impermeabilidade do vidro, a propriedade de adesão será reduzida.
O vidro temperado também está sujeito àquela natureza do tempo que o esforço submetido. Mesmo que o vidro temperado tenha tensões residuais elevadas, a presença de água e esforço contínuo reduz a tensão de resistência do vidro temperado para cerca de 35MPa apenas. Isso mesmo que a tensão interna do vidro seja muito superior.
São essas características do vidro temperado que permite vídeos como o vídeo abaixo onde o homem pula no vidro sem quebra-lo (a tensão gerada com o pulo foi menor que a tensão interna do vidro), mas que faz com que aquários ou boxes estourem sem causa aparente (carga contínua, concentradores de tensões e danos anteriores).
O vidro temperado quando usado como piso é de fato um vidro temperado e laminado que recebe uma série de proteções para sua superfície.
Vidro laminado
Se o vidro temperado é resistente, mas não é adequado para uso nos aquários, o vidro laminado já é uma excelente opção para quem quer garantir maior segurança.
O vidro laminado é formado por duas ou mais camadas de vidro coladas umas nas outras por um polímero adesivo. Essa formação garante uma resistência mecânica igual ou maior que um vidro comum de mesma espessura, grande flexibilidade e uma segurança muito grande.
A vantagem em relação à resistência é pela não propagação das trincas por todo o vidro. Como as placas de vidro são separadas uma das outras, uma trinca que se originar em uma placa não vai se propagar para as outras placas devido ao polímero que os separa.
Caso o vidro laminado se quebre, os cacos ficam grudados no polímero que colam as placas de vidro. Isso evita acidentes terríveis.
Essas qualidades do vidro laminado é de grande valia quando o aquarista tem crianças em casa e deseja evitar um desastre ainda maior em caso de acidente. Se uma criança brincando bate algo no aquário que quebraria um vidro comum, num aquário com vidro laminado provavelmente vai quebrar apenas a primeira camada de vidro. O aquário não vaza e cacos não se espalham.
O problema do vidro laminado é o preço, é um material bem mais caro que o vidro comum.
Se o vidro laminado não sofrer tratamento superficial, ele terá a mesma boa adesão de um vidro comum.
O vidro laminado pode ser feito á partir de vidro comum, extraclear e até mesmo vidro temperado.
A importância da qualidade dos vidros
Já falamos em vários pontos desse texto da importância da qualidade, seja do silicone, seja do vidro. Os vidros de baixa qualidade podem ser mais atrativos financeiramente, mas podem causar problemas.
O menor dos problemas de um vidro de baixa qualidade é em relação à visibilidade do aquário. Um vidro de baixa qualidade tem maior número de impurezas e deixa passar menos luz do aquário e como resultado as cores são distorcidas.
O maior problema é em relação à resistência do vidro. Quanto maior o número de impurezas e defeitos, menor a resistência.
Escolha sempre um vidro de alta qualidade.
Sistema de travamento
O sistema de travamento do aquário é a parte responsável por redistribuir as tensões de forma que o aquário suporte as suas solicitações. Em questões práticas, as travas aumentam a resistência do aquário.
O ideia de funcionamento das travas é bastante simples:
Na cola, as travas simplesmente aumentam a área colada disponível, reduzindo as tensões que atuam nas colas principais. Quanto maiores forem as regiões com cola das travas, maior será a distribuição de energia.
No vidro, as travas tem como principal função não deixar que o vidro dê barriga. Quanto menos o vidro se entortar, menor serão as tensões internas que esse vidro estará sujeito.
Isso tudo é muito importante para aquários altos e compridos porque as tensões que o aquário estão submetidos são altas. Em aquários menores e com vidros espessos muitas vezes as travas não são obrigatórias, mas sempre aumentam a segurança do aquário.
Travas francesas x travas transversais
As travas francesas são melhores que as travas transversais por terem maior área de colagem. Essa maior área de colagem distribui as forças e segura melhor o vidro impedindo que ele envergue.
A diferença de preço de um aquário com travas francesas para um aquário com travas transversais é tão pequena que não vale a pena usar travas transversais. A segurança quer as travas francesas trazem é muito maior.
As tensões que o aquário está submetido
Agora vamos voltar àquele nosso exemplo do aquário de 200x50x50 com vidro de 8mm sem travas que usamos para ver as tensões que a colagem estava submetida.
A primeira coisa a mostrar é a barriga que nosso aquário virtual teve. Pelos cálculos do programa foi encontrada uma barriga de pouco mais de 13mm ou 1,3cm. Isso é muita coisa.
Esse é um resultado bem aproximado do que encontramos na prática.
Já para as tensões, usando o mesmo estado triaxial usado para o silicone foi encontrado uma tensão máxima de 14,8MPa, pouco mais que o dobro da tensão suportada pelo vidro submetido a esforços contínuos. Nas imagens abaixo da pra ver como ficou essa distribuição de tensões. Onde está vermelho e azul marinho na imagem é onde a tensão passou de 7MPa, tensão máxima recomendada para os aquários.
Frente e fundo do aquário:
Laterais:
Vista interna do aquário onde removemos os dois vidros da frente para permitir melhor visualização. A parte toda em verde é o fundo do aquário.
Agora olhe o detalhe de como as tensões atuam em uma placa de vidro distribuídas pela sua espessura. Nas duas superfícies as tensões ultrapassaram 7MPa. Onde é vermelho é tensão de tração e onde é azul é tensão de compressão. É assim que a flexão atua no vidro.
Mesmo se adicionarmos travas francesas nesse aquário, as tensões não ficariam em um nível adequado e é por isso que ninguém faz aquários de 200x50x50 cm com vidro de 8mm. Se alguém tentou, provavelmente teve problema.
Aquário de 200x50x50 da maneira certa
Já que fizemos esse aquário de 200x50x50 da maneira errada, vamos apresentar aqui ele agora construído da maneira certa. É importante deixar claro que sempre há mais de uma forma certa de fazer cada aquário, basta que ele seja seguro.
Esse aquário de 200x50x50 seria construído pela gente com vidro de 12mm e travas francesas em cima e em baixo. Simplesmente aumentando em 50% a espessura do vidro e adicionando as travas o aquário se torna absolutamente seguro.
Foi muito interessante ir montando nosso aquário virtual e ir testando aos poucos para ver o que mudava nas tensões ao adicionar travas ou as sobras de cola. Na prática isso é impossível de analisar.
Com o aquário todo montado percebemos que as travas francesas superiores são muito importantes, elas que suportam toda a tensão do aquário. As travas inferiores não fazem 10% do esforço que as travas superiores fazem. As travas transversais não tem de longe a mesma eficiência.
Sem as travas francesas superiores aconteceram os seguintes fenômenos:
As tensões nos vidros aumentaram mais de 50%.
As tensões nos silicones chegaram a aumentar em 5 vezes em muitos pontos.
A distância máxima da barriga foi de 0,79mm para quase 6 mm.
As travas nas laterais do aquário se mostraram desnecessárias.
O deslocamento máximo foi de 0,79mm, uma barriga imperceptível a olho nu como mostra a imagem abaixo. Foi uma redução de 16 vezes se comparada à montagem errada.
As máximas tensões de cisalhamento nos silicones da base em nós foram de 0,076MPa, muito menor que o 1 MPa que o silicone suporta. Isso também dá uma tensão de rasgamento média de 0,652N/mm, muito inferior à média de 5N/mm que os silicones suportam.
Já nos silicones verticais a maior tensão de cisalhamento encontrada foi de 0,119MPa, o que dá uma tensão de rasgamento de 0,78N/mm.
Já no silicone das travas a máxima tensão de cisalhamento encontrada foi de 0,219MPa nas travas superiores, o que dá uma tensão de rasgamento 0,8N/mm.
Nas sobras de cola as tensões foram bem pequenas já que as travas absorveram a maior parte das tensões.
Já nos vidros as maiores tensões do estado triaxial encontradas foram de 5,7MPa nos vidros das travas superiores. No vidro das caixas do aquário a tensão máxima foi de 4,23MPa no vidro da frente, abaixo do máximo recomendado de 7MPa.
Vista superior:
Vista lateral:
A imagem mais interessante dessa montagem é sem dúvida a trava superior. Como pode ser vista abaixo, elas está sobre uma tensão de flexão sendo tracionado num lado e comprimida no outro. A tensão de flexão é intensa em mais da metade do comprimento do aquário.
Considerações finais
Com esse texto buscamos mostrar apenas que a escolha adequada do silicone e do vidro fazem toda a diferença na segurança do aquário.
Os aquários nunca devem trabalhar no limite da segurança, sempre deve ter uma folga considerável para suportar pequenos imprevistos como a vibração de um caminhão pesado na rua, uma pancada de algo que caia no vidro ou mesmo um esbarrão acidental.
Procure sempre um profissional experiente para construir o seu aquário. Devido à grande quantidade de aquários que esses profissionais constroem eles vão saber qual a espessura do vidro e a configuração da trava para cada aquário. Se falarmos que se o aquário ficar em móvel de metal ou de madeira faz diferença vocês ficariam surpresos no quanto.
Em projetos avançados é vital a consulta detalhada a um profissional experiente.
Ficamos sabendo esses dias de um tanque com visor de vidro que se rompeu tendo 300(c)x70(l)x100(a) cm. Não temos detalhes do projeto, mas ele utilizou vidro de 15mm com 2 travas transversais e se rompeu causando sérios problemas.
Num projeto como esse que não deu certo, é muito importante levar em consideração adesão do silicone e as forças estruturais do vidro.
Nessa análise consideramos um vidro de 15mm com 3 metros de comprimento e 1 metro de altura preso pelas bordas inferiores e laterais com 2,5cm de cola. Para facilitar a análise as travas superiores usadas serão consideradas soldadas já que é só um experimento de curiosidade. Considerar soldada facilita os cálculos do computador.
Assim, numa análise rápida encontramos tensões no vidro de 46MPa considerando as travas fixas, o que aumenta a resistência em muita coisa, mas ainda assim mais que suficiente para estourar o vidro.
Se o aquário tivesse todo cheio, provavelmente a barriga seria algo como a imagem abaixo. A deformação é meramente ilustrativa e foi aumentada para ser visível.
Ou seja, esse projeto estava fadado a dar errado antes de ter começado.
Sempre consulte um profissional responsável para fazer o seu projeto.
Referências
[1] Khorasani, Naimeh. Design principles for glass used structurally. Department of Building Science, Univ., 2004.
[3] Shigley, Joseph Edward, and Charles R. Mischke. Projeto de engenharia mecânica. Bookman, 2005.
[4] Ma, Zhiwei, et al. "Strength gradient enhances fatigue resistance of steels." Scientific reports 6 (2016): 22156.
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